Farinha de quê?!

Não, não é uma história saída de um manual de sobrevivência ou de um prato exótico. Este novo alimento é um exemplo de como a sociedade e a tecnologia se adaptam às necessidades da população e do planeta.

Já é possível comprar farinha de larvas – e confecionar pratos deliciosos com ela – em qualquer país da União Europeia.

A larva-da-farinha – não é mais do que a larva do escaravelho de nome científico Tenebrio molitor, também conhecida como verme-da-farinha ou bicho-da-farinha – é um inseto bastante peculiar. Durante anos, estas larvas, provenientes da região do Mediterrâneo, foram consideradas uma praga, já que se alimentam de cereais (como o trigo).

No entanto, devido ao seu alto teor em proteína e elevado valor nutricional, as larvas-da-farinha têm sido usadas como ração animal para répteis, peixes e pássaros domésticos, mas também para a produção pecuária e de aquacultura. As pessoas que vivem em países do Sudoeste Asiático consomem este tipo de insetos há centenas de anos e é normal encontrar este alimento em mercados ou nas bancas de comida de rua.

Os insectos podem ser encontrados em mercados ou vendidos como comida de rua, sobretudo na Ásia.

Sabia que 80% da população mundial já inclui insetos na sua dieta diária?

O que uns chamam de peste, outros chamam de manjar. É um alimento centenário na Ásia, que tem sido desdenhado no mundo ocidental.

Mas agora, depois de intensa investigação, o uso de farinha de larvas para alimentação humana foi aprovado pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, que a declarou segura e… saudável.

A farinha de larvas é fina e amarela, parecida com farinha de milho ou de grão.

Para fazer a farinha, que tem uma textura fina e é de cor amarela, as larvas são desidratadas e depois esmagadas.

O resultado final é um produto com um aspeto próximo da farinha de milho ou da farinha de grão-de-bico.

Quem já experimentou larvas-da-farinha diz que, quando desidratadas, têm um sabor que lembra frutos secos – algo entre amêndoas e noz-macadâmia. Já a farinha de larvas tem um aroma terroso e um sabor próximo ao dos cogumelos.

Saudável e amiga do planeta: que delícia

A farinha de larvas é rica em aminoácidos essenciais e ácidos gordos insaturados. É constituída por mais de 50% de proteína – em proporção, duas vezes mais proteína que a mesma porção de carne de vaca.

Esta farinha não é apenas popular pelas suas características nutricionais. Na verdade, este alimento poderá ter um papel muito importante na preservação do ambiente e dos ecossistemas.

As larvas-da-farinha são tão especiais que até conseguem degradar poliestireno – um tipo de plástico – em matéria orgânica!

A criação de larvas-da-farinha requer pouco espaço, alimento e água. Tipicamente, as larvas são criadas em estruturas verticais e em camadas, ideais para situações e locais em que há pouco espaço disponível.

Para produzir 1 quilograma de larvas-da-farinha são necessários menos de 7 litros de água. Em comparação, a produção de 1 quilo de lentilhas requer 50 litros de água. Já para produzir 1 quilo de carne de vaca são necessários, em média, 15 mil litros de água – acima de duas mil vezes mais água do que a necessária na produção de larvas-da-farinha.

Os resíduos da produção de larvas-da-farinha e da sua farinha são mínimos. As larvas alimentam-se maioritariamente de matéria orgânica e os seus excrementos dão um ótimo fertilizante natural. Além disso, a produção é extremamente rápida e as larvas da espécie Tenebrio molitor desenvolvem-se em muito pouco tempo, entre um a dois meses.

A produção desta farinha e da sua matéria-prima representa uma redução gigantesca – cem vezes menor do que no caso de gado bovino para produção de carne – na emissão de gases com efeito de estufa. O plano de ação 2020-2030 da União Europeia (UE) para sistemas alimentares saudáveis identifica os insetos como uma fonte de proteína com baixo impacto ambiental e com o potencial de ajudar a tornar a produção de alimentos na UE mais sustentável.

Novos alimentos: uma nova era para a indústria alimentar

A farinha de larvas faz parte de uma nova categoria de alimentos: os chamados “novos alimentos”, que são assim classificados por não terem sido consumidos em grau significativo na UE antes de 15 de maio de 1997, altura em que o primeiro regulamento sobre a questão entrou em vigor. Estes alimentos têm que ser comprovadamente seguros para os consumidores, estar devidamente rotulados e ter perfis nutricionais iguais ou melhores do que os alimentos em consumo na UE.

Os “novos alimentos” incluem novas fontes de vitamina K (através da fermentação de bactérias presentes em queijos e noutros alimentos), extratos de alimentos existentes (fosfolípidos provenientes do óleo de krill da Antártida), produtos agrícolas de países não comunitários (como as sementes de chia) ou alimentos criados a partir de novos processo de produção (como leite, pão, cogumelos e fermento tratados com ultravioletas).

Quando se introduz um novo alimento na União Europeia, este tem de passar por testes de controlo de qualidade e de segurança alimentar bastante apertados. A farinha de larvas, por exemplo: a proposta foi apresentada em 2016, mas acabou por ser aceite como alimento pelas autoridades europeias apenas em janeiro de 2021.

Apesar dos benefícios comprovados, há ainda muita resistência à ideia de utilizar insetos como alimento. Nós percebemos. Pode causar alguma estranheza, mas talvez porque é algo relativamente novo na Europa.

É altura de deixar os preconceitos. Os nossos hábitos alimentares podem mesmo mudar o mundo.