Pode o chocolate ser agridoce?

O cacau é a matéria-prima presente no chocolate, essa deliciosa gulodice que faz crescer água na boca e que é apreciada em todo o mundo. Só entre 2021 e 2022, prevê-se que tenham sido produzidas quase cinco milhões de toneladas de cacau para responder à procura global – que continua a aumentar. África é a maior região produtora de cacau, sendo responsável por 77% da produção mundial.

No entanto, por trás da doçura do chocolate, poderá existir um travo amargo que não fica no palato. Sabia que cerca de 90% da produção do cacau mais puro está a cargo de pequenos agricultores, que têm dificuldades em produzi-lo por causa das alterações climáticas ou da falta de lucro? Mergulhemos no cacau.

Desmistificando os grãos de cacau

O cacaueiro, a planta que origina o cacau, precisa de três a cinco anos para crescer e desenvolver uma colheita, mas é uma árvore cuja vida útil chega a ser de 25 anos. A produção requer condições climatéricas muito específicas para que as plantações se desenvolvam com sucesso – as condições ideais são os climas tropicais e húmidos perto da linha do equador, onde as chuvas são intensas e frequentes.

A Costa do Marfim é um dos maiores produtores, de onde chega mais de 1/3 da produção global de cacau – o resultado de 2,8 milhões de hectares dedicados apenas à produção de cacau e do trabalho árduo de mais de 600 mil pequenos agricultores.

Removendo os grãos das vagens de cacau

À medida que as consequências negativas das alterações climáticas como o aumento da temperatura e a escassez de chuvas se tornam mais visíveis, a produção de cacau enfrenta cada vez mais desafios. As previsões indicam que as temperaturas máximas e mínimas nas regiões de cacau do Gana e da Costa do Marfim aumentarão cerca de 2 °C, de forma progressiva, até 2050 – o que significa que a faixa de terra privilegiada onde se dá a produção de cacau estará, em breve, em risco.

Pressão sobre os agricultores de cacau

Ao mesmo tempo, a pressão associada ao aumento da procura global desta matéria-prima está a levar agricultores e produtores a recorrer à desflorestação, de forma a poderem produzir cacau mais intensamente. Os riscos são a destruição de habitats naturais e a contaminação de solos e cursos de água.

Técnicas de gestão inteligente do clima podem ajudar a minimizar os impactos na produção de cacau, e organizações sem fins lucrativos, como a Rainforest Alliance, tentam mostrar a pequenos agricultores e produtores que é possível aplicar programas de cultivo sustentáveis. Para conciliar a preservação dos recursos naturais com a produtividade da produção de cacau, estas organizações incentivam os agricultores a recorrerem a plantas que ajudem a proteger os solos da precipitação forte, a usarem pesticidas naturais que não poluam os terrenos e os cursos de água, e a usar sistemas de poupança de água.

Outra missão destas ONG é assegurar condições de vida e de trabalho justas assegurando, por exemplo, o pagamento de um prémio monetário aos produtores para os recompensar por implementarem práticas de produção agrícola mais sustentáveis e por obterem a certificação. As quintas e plantações certificadas são regularmente inspecionadas de acordo com rigorosos critérios ambientais, sociais e económicos que visam proteger a biodiversidade e fomentar uma cultura de respeito com os trabalhadores e com as comunidades locais.

Do grão de cacau à tablete de chocolate

Fases do processo de transformação do cacau: fruto do cacaueiro inteiro; fruto aberto com grãos frescos; grãos secos; chocolate em pedaços; chocolate em pó.

É fácil colocar um chocolate (ou mais) no carrinho de compras… Já o processo de transformação dos grãos de cacau em chocolate é complexo, mas vale a pena conhecer:

  1. Tudo começa nas plantações de cacaueiros, as árvores cujos frutos contêm os grãos de cacau; os frutos são colhidos manualmente.
  2. O fruto é aberto e os grãos, de cor branca e sabor amargo, são extraídos.
  3. Os grãos são colocados a “repousar” para que possam fermentar, um processo que lhes retira alguma amargura.
  4. Uma vez concluída a fermentação, os grãos são colocados ao sol para secarem e ganharem uma cor escura.
  5. Depois de secos, os grãos são transportados até à fábrica; depois de limpos, inicia-se a “ceifa”, que consiste na separação da casca e do “miolo”, que é sólido e que dá pelo nome de “nibs de cacau” ou “pontas de cacau”.
  6. Os “nibs de cacau” são torrados, para que se desenvolva o seu aroma, passando a seguir para a prensa, onde são moídos; é este processo que dá origem ao chamado “licor de cacau”.
  7. Dependendo do tipo de produto final que se pretende, a matéria-prima é manuseada de uma forma especial. Para o clássico chocolate negro, basta juntar açúcar ao licor de cacau.
Quadrados de vários tipos de chocolate: branco, de leite e negro.

Mas nem todas as pessoas apreciam o sabor mais amargo do chocolate negro. Como surgem, então, outros sabores como o chocolate de leite e o chocolate branco? Para se conseguir isso, o licor de cacau deve ser prensado com uma máquina especial, de elevada pressão, que separa dois componentes: a manteiga de cacau (com gordura saturada) e a massa de cacau, que é a parte mais “pura” – e que dá origem ao cacau em pó. À manteiga de cacau é adicionado licor de cacau, açúcar e leite, et voilá, temos chocolate de leite. Se o objetivo for produzir chocolate branco, basta não adicionar o licor de cacau.

Mudam-se os ingredientes e o resultado difere. Do chocolate negro ao chocolate com laranja, pimenta ou amêndoas, é um instante – e magia de quem sabe misturar os ingredientes nas doses certas.

Quais os benefícios do cacau?

Primeiro que tudo é importante saber diferenciar cacau e chocolate. O cacau é o fruto que dá origem ao chocolate, pelo que seus os benefícios estão associados a alguns nutrientes do cacau. A presença destes nutrientes no chocolate será tanto maior quanto mais elevado for o teor em cacau. Importa referir que mesmo o cacau puro, apesar de ter um baixo teor em açúcares, é maioritariamente composto por gordura (contém gordura saturada), devendo por isso ser consumido com moderação.

A forma nutricionalmente mais interessante de incluir este alimento na sua alimentação é através do cacau em pó (100% de cacau), para adicionar, por exemplo, a panquecas, bolachas, bolos, leite ou batidos.

Quadrados de chocolate negro.

A segunda opção nutricionalmente mais equilibrada é o chocolate negro. Quanto maior for a percentagem de cacau, mais perto da matéria-prima no seu estado mais puro estará e maior é a quantidade de nutrientes do fruto original.

Para que um chocolate seja considerado "negro", deve ter um teor mínimo de cacau, que varia de país para país. De acordo com a legislação da União Europeia, o chocolate negro deve conter pelo menos 35% de cacau, embora seja habitualmente comercializado com teores superiores, na ordem de 50% ou mais.

Um dos benefícios para a saúde associados ao cacau deve-se à presença de flavonoides na sua composição e ao papel que desempenham no sistema cardiovascular, ajudando a manter a elasticidade dos vasos sanguíneos e contribuindo para uma normal circulação sanguínea. O cacau em pó puro é o que apresenta maiores quantidades, seguido pelo chocolate negro e, depois, pelo chocolate de leite. Pelo contrário, o chocolate branco não contém flavonoides, sendo composto maioritariamente por manteiga de cacau e açúcar.

Outros nutrientes presentes no cacau e respetivos benefícios são:

  • zinco e ferro, que contribuem para o funcionamento normal da função cognitiva;
  • ácido fólico, que fortalece o sistema imunitário;
  • folato, magnésio e ferro, que podem ajudar na redução do cansaço e fadiga;
  • rico em magnésio e potássio, que contribuem para o normal funcionamento do sistema nervoso;
  • potássio, que ajuda a manutenção de valores de tensão arterial normais.

O chocolate pode, assim, ser incluído numa alimentação variada e equilibrada – desde que consumido com moderação.

Escolher o chocolate certo

Além da questão nutricional, há outros fatores a ter em conta na hora de escolher um chocolate.

Prefira os produtos que tenham certificação de produção biológica, garantindo a redução dos impactes ambientais da agricultura, ou certificação FairTrade, que garante práticas de comércio justo para os produtores. Basta procurar por estas identificações nas embalagens.

O Pingo Doce, em Portugal, e a Biedronka, na Polónia, contam com mais de 50 produtos das suas marcas próprias que contêm cacau com certificação Rainforest Alliance/UTZ ou Fairtrade. No Pingo Doce, pode optar pelo chocolate negro biológico Go Bio, com 74% de cacau, e pelo chocolate negro com 95% de cacau, feito com cacau certificado FairTrade.

Curiosidades sobre o cacau