Vai à fava! E ao feijão, e à ervilha, e ao grão-de-bico…

Ilustração da história João e o Pé de Feijão, com pé de feijão gigante e um castelo no topo, junto ao céu.

Conhece a história do João e o Pé de Feijão? A versão mais antiga e conhecida deste popular conto britânico, remonta a 1807, e é da autoria de Benjamin Tabart. O conto relata a história de João, que foi enviado pela sua mãe à feira para vender a vaca da família. Na feira, João encontra um mago misterioso que lhe oferece um punhado de feijões mágicos em troca da sua vaca. Entusiasmado, o rapaz aceita e volta para casa com os seus feijões, onde é repreendido pela mãe, que contava com o dinheiro da venda para comprar comida.

Em fúria, a mãe atira com os feijões pela janela e ambos vão dormir sem jantar. No dia seguinte, João acorda e vê que os feijões cresceram e tornaram-se num imenso pé de feijão que se perde nas nuvens. Sobe pelo pé de feijão e descobre um lugar mágico onde vive um gigante, e onde existem muitas riquezas que, depois de várias peripécias, acabam por proporcionar ao menino e à mãe uma vida de abundância.

Quase duzentos anos mais tarde, este conto infantil mais parece uma profecia do que uma história para adormecer – magos e gigantes assustadores à parte.

Leguminosas: contar feijões para alimentar o planeta

A história infantil é o ponto de partida para a forma como Marta Vasconcelos quer envolver as pessoas nas virtudes e nas maravilhas das leguminosas. A professora e investigadora na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa no Porto, defende que “as leguminosas são as plantas cultivadas com maior importância no mundo”. E porquê? Ora, porque “podem alimentar todo o planeta”.

Marta Vasconcelos foi uma das oradoras na conferência “A alimentação no futuro: evolução ou revolução?”, que decorreu em novembro de 2022. O seu painel tinha o sugestivo nome “Leguminosas: feijões mágicos e a nova galinha dos ovos de ouro”.

Marta Vasconcelos

Marta Vasconcelos

Bióloga, doutorada pela Universidade Nova de Lisboa, tendo realizado o seu trabalho de doutoramento no Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI, nas Filipinas) na área da biofortificação. Entre 2003 e 2008, foi investigadora no Centro de Investigação para Nutrição Infantil em Baylor College of Medicine, nos Estados Unidos. Foi membro do seminário de Jovens Cientistas da Academia de Ciências de Lisboa. É atualmente Professora Auxiliar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. É membro da Direção do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF), onde coordena o Grupo de Investigação em Ambiente e Recursos e o laboratório PlanTech. Possui um longo percurso de coordenação e participação em projetos nacionais e europeus que lidam com a sustentabilidade, em particular nas áreas da diversificação de culturas, das leguminosas, e da nutrição de plantas.

 

As leguminosas – entre as quais se contam os vários tipos de feijões, o grão-de-bico, as lentilhas, as ervilhas ou os tremoços – são cultivadas em todo o lado, com exceção da Antártida e da Gronelândia, devido à temperatura demasiado fria. São das maiores fontes vegetais de proteína para as populações mais pobres e constituem muitas vezes a base da alimentação de algumas comunidades. Cerca de 14,5% de toda a área arável no mundo é usada para o seu cultivo.

Mas, tal como uma certa batata-doce, as leguminosas nem sempre foram consideradas nobres na cozinha.

Na Europa existe ainda muita resistência ao seu consumo. De toda a área dedicada ao cultivo, apenas cerca de 2% está ocupada com leguminosas de grão.

Segundo Marta Vasconcelos, isso pode ter raízes na história, uma vez que “em tempos antigos, as leguminosas, especialmente o feijão, eram consideradas uma comida menos sofisticada e, portanto, destinada ao povo e clero, enquanto a corte se dedicava a menus mais ‘nobres e elegantes’, digamos”, acrescentando que “eram na altura, um símbolo de frugalidade”.

Está na hora de acabar com o preconceito.

Sabia que?

O amendoim é uma leguminosa, apesar de ser frequentemente incluído no grupo das oleaginosas.

E o que é que vai bem com amendoim? Chocolate! Conheça a realidade por trás da produção de cacau.

Plantar leguminosas, reparar o ambiente

O cultivo das leguminosas pode trazer benefícios para o ambiente e para o planeta, a curto, médio, e longo prazo. Citando Marta Vasconcelos, uma das propriedades “mágicas” das plantas leguminosas “é a sua capacidade de fixar azoto (ou nitrogénio) atmosférico”. Este processo acontece por via de bactérias (boas) que existem nas suas raízes e que, na prática, absorvem azoto, retirando-o da atmosfera, e fixando-o no solo.

O azoto é um dos componentes do ar, e é também essencial para manter os solos saudáveis e o desenvolvimento das plantas. Por esta razão, há muitos fertilizantes à base de azoto. São, no entanto, muito poluentes e a sua produção é responsável pela geração de grandes volumes de gases com efeito de estufa. “A fixação biológica de azoto que ocorre nas plantas leguminosas é um fenómeno que permite a renovação dos solos, reduz a necessidade de utilização de fertilizantes sintéticos, e evita a contaminação dos solos e cursos de água. Tudo de uma forma mais sustentável”, conclui Marta Vasconcelos.

Plantar leguminosas evita, por isso, a utilização de fertilizantes não só nessa colheita mas também nas seguintes, dado que ajudam a renovar os solos. E, claro, promove uma maior biodiversidade, que é sempre uma responsabilidade de todos.

Várias taças de madeira com leguminosas: três tipos de feijão, ervilhas e lentilhas.

As leguminosas fazem bem à saúde

Mas a lista dos benefícios das leguminosas é mais extensa. No que diz respeito à saúde, são boas fontes de proteína. Como já dissemos anteriormente, são mesmo a maior fonte de proteína para as populações mais pobres – e uma das razões é porque se trata de uma excelente fonte de proteína de baixo custo quando se compara com proteínas animais como carne, peixe ou ovos.

As leguminosas secas são também importantes fontes de fibra. Contêm fibra solúvel que “captura” o colesterol alimentar no trato digestivo, possibilitando a sua eliminação a partir das fezes. Desta forma, ao contribuírem para uma menor absorção do colesterol alimentar, ajudam a um melhor controlo dos níveis de colesterol em circulação no sangue.

Para quem está a tentar reduzir a quantidade de alimentos que ingere, e porque tem a capacidade de atrasar a digestão e absorção dos nutrientes, a fibra solúvel proporciona uma sensação de saciedade que pode ser benéfica.

Além de apresentarem um baixo teor de gordura, as leguminosas fornecem muitas vitaminas e minerais diferentes. São exemplos o ferro, zinco, magnésio, potássio, fósforo e vitaminas do complexo B, como o ácido fólico.

Como incluir mais leguminosas na alimentação?

As leguminosas são alimentos comuns nas dietas vegetariana e vegana, já que substituem a proteína de origem animal, mas nem só veganos e vegetarianos devem consumi-las. Em 2016, por altura da celebração do Ano Internacional das Leguminosas, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) aconselhou o consumo de uma a duas porções por dia.

O que é uma porção de leguminosas?

• Uma colher de sopa de leguminosas secas cruas (~25g)
• Três colheres de sopa de leguminosas frescas cruas (~80g)
• Três colheres de sopa de leguminosas secas/frescas cozinhadas (~80g)

Considera-se uma proteína completa, a proteína que reúne os nove aminoácidos essenciais nas proporções adequadas às necessidades do organismo. As proteínas de origem animal são geralmente mais completas do que as de origem vegetal, por isso, o segredo está em complementar proteínas de origem vegetal, por exemplo a partir da clássica combinação de arroz com feijão.

Assim, nesta nota, lembre-se de incluir leguminosas nas refeições principais e em snacks durante o dia. Não se esqueça de que podem ser consumidas como acompanhamento (como este feijão à mexicana), como ingrediente principal, por exemplo num caril de grão-de-bico, em sopas, sobremesas ou saladas.

Veja aqui a participação de Marta Vasconcelos na conferência “A alimentação no futuro: evolução ou revolução?”, que serviu de base a este artigo: