Calçar boas ideias

Foi uma conversa na praia que mudou a vida de Adriana Mano. A fundadora da Zouri Shoes não esconde o sorriso quando conta como transformou uma “ideia maluca a que toda a gente dizia não” numa das marcas de moda mais inovadoras – e sustentáveis – de Portugal. A marca foi premiada internacionalmente e está em 27 países, mas esteve para não existir.

Adriana recolhia lixo numa praia do norte de Portugal, em conjunto com outros voluntários, quando alguém lhe lançou uma inquietante questão: seria possível usar aqueles resíduos para produzir sapatos? “Descartei totalmente a ideia.” A sua experiência enquanto designer de calçado dizia-lhe que os plásticos que poluem os mares e as praias estão degradados e não possuem a flexibilidade, resistência e durabilidade necessárias para produzir calçado. Alguns colegas confirmaram as suas suspeitas. Mas tantos “não” só aguçaram o seu espírito curioso e empreendedor: “Quando me dizem que algo é impossível, tenho de perceber porquê”.

Tinha bons motivos para insistir. Depois de muita investigação e desenvolvimento, a persistência e o esforço de Adriana Mano abriram caminho à mudança e, alguns anos mais tarde, nascia a Zouri.

O lixo não é lixo, é matéria-prima.

Adriana Mao, fundadora da Zouri Shoes

A indústria da moda – principalmente a de fast fashion – é uma grande poluidora; por outro lado, a maioria do plástico recolhido dos mares e praias não é reciclável, acabando invariavelmente em aterros sanitários ou incineração.

Inverter este modus operandi e perceber como podia a Zouri fazer diferente foi o primeiro passo. “Para nós, o lixo marinho é uma matéria-prima.” Foram precisos quase quatro anos de pesquisa e de testes até que o plástico recolhido nas praias pudesse ser incorporado na sola dos ténis (ou sapatilhas) e das sandálias Zouri. Produto desenvolvido e eficácia comprovadas, faltava dá-lo a conhecer ao mercado. Com um orçamento limitado, foi preciso recorrer ao principal motor de todas as grandes invenções: a criatividade. “Numa altura em que o mundo está em perigo ambiental, precisamos de ser criativos com o que temos à nossa volta”.

O processo de produção sustentável da Zouri tem o contributo de vários parceiros e voluntários – Adriana Mano também defende a velha máxima de que “juntos, chegamos mais longe”. Tudo começa com a recolha do lixo nas praias, feita com a ajuda de escolas e associações ambientais. É o caso da Brigada do Mar, uma associação que disponibiliza, entre outros plásticos, redes de pesca abandonadas.

De seguida, o lixo é separado e submetido a um processo de triagem. Depois de triturado, é misturado com borracha natural, adquirindo a coloração característica das solas Zouri. O rácio é de cerca de 10% a 15% em volume de plástico para 85% a 90% de borracha. Estas quantidades garantem a integridade da sola, bem como a resistência e durabilidade do sapato. A mistura é, depois, cortada para dar forma às solas.

Sola de ténis da marca Zouri.

O resto do sapato é feito de materiais naturais, veganos e ecológicos como algodão biológico e Piñatex®, feito de folhas de ananás. Além disso, a Zouri certifica-se de que toda a produção é 100% nacional.

Empreendedorismo social, criatividade e sustentabilidade

Para Adriana Mano, “a marca é uma ferramenta, que nos permite fazer ativismo ambiental e passar certas mensagens. O produto é uma forma de alimentarmos as nossas ações de impacto social e ambiental.”

A Zouri desenvolve ações de sensibilização, principalmente para os mais novos, através de campanhas de recolha de lixo e realiza workshops com turmas do 1.º ciclo, onde os alunos criam objetos com lixo, como pequenos bonecos ou carrinhos de brincar. O objetivo é sensibilizar para a importância da responsabilidade ambiental e do uso da criatividade na busca de soluções mais sustentáveis.

O empreendedorismo também faz parte da missão da marca: nas universidades, a Zouri desafia estudantes de áreas como gestão, design e arquitetura a tornarem-se empreendedores sociais, desafiando-os a criar algo que tenha um impacto positivo na sociedade, e que se inclua numa economia circular. “Existe a ideia de que para criar soluções inovadoras são precisos investimentos grandes, maquinaria avançada, e impactos ambientais enormes. Para mim, a Zouri mostra que não é preciso ter uma ideia genial, nem investir milhões. É só preciso criar algo novo a partir do que já existe.”

Par de ténis da marca Zouri.

A Zouri em números

  • Em 2022, o volume de negócios ficou próximo de meio milhão de euros;
  • Está presente em 27 países, incluindo EUA e Austrália;
  • Desde o seu início, foram recolhidas 9 toneladas de lixo das praias portuguesas;
  • Mais de 60 escolas participaram nas ações de recolha de lixo;
  • As ações de limpeza percorreram mais de 300 km de costa portuguesa;
  • Um par de sapatos Zouri contém cerca de 60 g a 90 g de plástico resgatado, o que equivale a 6 a 8 garrafas de plástico de 33 cl.

A empresa conquistou vários prémios e distinções nacionais e internacionais, nomeadamente o segundo lugar no Torneio de Inovação Social, na categoria de Produção e Consumo Sustentável, pelo Banco Europeu de Investimento em 2019. Em 2022, Adriana Mano recebeu a distinção “Outstanding Female Entrepreneur” no âmbito da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas que decorreu em Lisboa.