Um pico de açúcar

Imagine que come a sua refeição favorita. Eis o que acontece no organismo: os hidratos de carbono ingeridos são transformados em glicose (açúcar), que entra na corrente sanguínea e que deve passar do sangue para o interior das células – uma tarefa da responsabilidade da insulina, uma hormona produzida pelo pâncreas. Quando a insulina não é eficiente ou quando não é produzida na quantidade indicada, o organismo entra em hiperglicemia, ou seja, existe excesso de açúcar em circulação no sangue – é assim, normalmente, caracterizado um caso de diabetes.

Segundo a International Diabetes Foundation (IDF) mais de 500 milhões de pessoas no mundo são diabéticas – 90% dos casos poderiam ter sido prevenidos, como veremos mais à frente no artigo. Em Portugal, o relatório do Observatório Nacional da Diabetes de 2021 indica que cerca de um milhão de pessoas entre os 20 e os 79 anos tem diabetes.

Para consciencializar a população sobre o que é esta doença e a importância da sua prevenção e controlo, 14 de novembro é celebrado como o Dia Mundial da Diabetes.

Diabetes tipo 1, tipo 2 e gestacional: quais as diferenças?

Existem três tipos principais de diabetes e todos apresentam sintomas relativamente semelhantes: micção (alteração na frequência urinária), sede e apetite elevados, cansaço, visão turva, feridas ou nódoas negras que demoram a sarar, perda de peso (sobretudo na diabetes tipo 1) e formigueiro, dor ou perda de sensação nas extremidades (mais comum na diabetes tipo 2). Se tiver algum destes sintomas, consulte um profissional de saúde.

  • Diabetes tipo 1

    Doença autoimune (significa que o sistema imunitário “ataca” as células do próprio organismo) em que o pâncreas não produz insulina e, por isso, é necessário fazer tratamento com insulina. Manifesta-se geralmente na infância e não tem uma causa associada, não existindo forma de prevenção.

  • Diabetes tipo 2

    Distúrbio metabólico que tende a desenvolver-se na idade adulta, surgindo quando o pâncreas produz menos insulina do que o suposto e/ou quando esta não atua de forma eficaz (a chamada “resistência à insulina”). O tratamento inclui mudanças na alimentação e atividade física, medicação e, eventualmente, insulina. Representa 90% dos casos e, embora algumas pessoas possam ter maior pré-disposição, o mais comum é ser consequência da obesidade e do sedentarismo – a diabetes tipo 2 pode, assim, ser prevenida.

  • Diabetes gestacional

    Condição temporária que pode surgir durante a gravidez devido à produção reduzida de insulina ou resistência à mesma, e resolve-se por si própria depois do parto. Apesar de não apresentar sintomas severos, deve ser devidamente acompanhada, pois pode ter consequências na saúde da mãe e do bebé.

Hidratos de carbono e diabetes

A principal função dos hidratos de carbono (simples ou complexos) é fornecer energia, devendo fazer parte da alimentação de qualquer pessoa. Os simples são absorvidos de forma rápida pelo organismo e estão presentes em alimentos como fruta, laticínios, açúcar e mel. Os complexos são de absorção lenta e estão presentes em alimentos como cereais e derivados, hortícolas, tubérculos e leguminosas. Terminada a digestão, dá-se a sua conversão em glicose (açúcar).

Glicemia, índice glicémico e pico glicémico

A glicemia é a quantidade de glicose (açúcar) no sangue. O índice glicémico mede a velocidade a que a glicose proveniente dos hidratos de carbono atinge o sangue. O pico glicémico ocorre depois da sua ingestão, quando a quantidade de açúcar no sangue atinge um nível elevado.

Quanto maior for o teor de açúcar e menor o teor de fibra de um alimento, maior é o seu índice glicémico e mais rápido será o aumento da glicemia, podendo provocar “picos de glicemia”. Quanto mais lenta a absorção, mais lenta a subida do nível de açúcar no sangue – a prioridade deve ser dada a estes alimentos que ajudam a controlar a glicemia.

Os hidratos de carbono complexos, por serem de digestão lenta e com índice glicémico baixo (a velocidade a chegam ao sangue é menor), fornecem glicose e aumentam a glicemia (níveis de açúcar no sangue) de forma gradual – é precisamente este o objetivo de um diabético. Tal não implica que apenas devam ser consumidos hidratos de carbono complexos. Por exemplo, a fruta é composta por hidratos de carbono simples e, portanto, tem um índice glicémico mais elevado, mas é também fonte de fibra, vitaminas e minerais. Assim, a fruta não está ao mesmo nível de alimentos ou bebidas com açúcar adicionado, cujo valor nutricional é geralmente baixo.

A alimentação mais adequada para diabéticos

Embora possam existir orientações específicas – considerando o diagnóstico, outros problemas de saúde e a rotina individual – os cuidados alimentares de quem tem diabetes não são impeditivos de refeições nutritivas e deliciosas. Aliás, devem ser idênticos ao de qualquer outra pessoa.

Devem ser evitados alimentos processados e com um elevado teor de açúcares e de gorduras saturadas, e preferidos alimentos com um perfil nutricional mais completo e equilibrado. Igualmente importante é comer várias vezes ao dia, ingerir as porções corretas e incluir todos os grupos alimentares: frutas e vegetais, cereais, leguminosas, laticínios, carne, peixe, ovos e gorduras de origem vegetal.

Tome nota de alguns dos alimentos que ajudam no controlo da glicemia:

Colher de pau com arroz integral sobre pano.
  • Cereais integrais e leguminosas

A palavra-chave é “integral”, já que a farinha branca, por exemplo, tem um índice glicémico mais elevado. A quinoa, a aveia e as versões integrais de massa, pão e arroz são fonte de fibra e têm um menor índice glicémico, comparativamente às versões refinadas. As leguminosas, desde o feijão às ervilhas, apresentam um baixo índice glicémico e ajudam a controlar os níveis de açúcar no sangue após a refeição, mantendo-os estabilizados até à seguinte.

Taça de madeira com mistura de frutos secos.
  • Frutos secos

Os frutos secos e as sementes, sem sal ou outros ingredientes adicionados, podem ajudar a reduzir o índice glicémico da refeição, mesmo quando são acompanhados de alimentos com alto índice glicémico. Frutos secos oleaginosos, como nozes, amêndoas ou avelãs, fornecem gordura e fibra que contribuem para uma digestão mais lenta e uma absorção mais gradual da glicose.

Tacho com brócolos e cabeças de alho.
  • Hortícolas

Sejam crus, cozidos ou assados, os hortícolas são fontes de fibra por excelência, bem como de vitaminas e minerais, devendo ser consumidos ao almoço e ao jantar. Os brócolos são um exemplo de índice glicémico baixo e parecem melhorar a resistência à insulina na diabetes tipo 2. O alho (cru ou cozinhado), ajuda no controlo do colesterol e, de acordo com os estudos, tem propriedades antidiabéticas e neuroprotetoras, podendo ainda ter benefícios na retinopatia diabética, uma complicação que afeta os olhos.

Salmão temperado com pimenta e alecrim, em tábua de corte.
  • Peixe rico em ómega-3

Peixes como o salmão ou a sardinha, a rainha da costa portuguesa, podem ajudar no controlo dos níveis glicémicos no sangue e melhorar a resistência à insulina.

Abacate cortado ao meio, taça de azeite e frasco com azeitonas sobre tábua de madeira.
  • Azeite e abacate

São apelidadas de gorduras “boas”. O azeite é a gordura de excelência na dieta mediterrânica, com efeitos positivos no colesterol e na prevenção e tratamento da diabetes tipo 2. Também o abacate é fonte de gorduras monoinsaturadas, que apresentam benefícios no controlo da glicemia, sendo ainda fonte de potássio, que contribui para a regulação da tensão arterial.

Dois frascos de iogurte caseiro natural e duas colheres sobre mesa de madeira.
  • Iogurte

Os laticínios magros ou meio-gordos sem adição de açúcar são fontes importantes de proteína, cálcio e fósforo. As alternativas vegetais aos laticínios, sobretudo à base de soja e sem açúcar adicionado, também podem ser uma opção.

Mitos da diabetes

  • A fruta deve ser excluída
    Exceto casos de alergia, a fruta deve fazer parte da alimentação de qualquer pessoa – até mesmo a banana. Quem tem diabetes, no entanto, deve evitar comer fruta de forma isolada e beber sumos de fruta, para que não tenha um pico glicémico elevado (adicionar açúcar não é uma opção – aproveite os seus morangos “ao natural”). Pode incluir fruta como sobremesa ou, se fora das refeições, acompanhada de frutos secos, queijo magro ou iogurte natural.
  • Produtos dietéticos são bem-vindos
    Há que ler atentamente os rótulos de produtos intitulados “dietéticos”. Por exemplo, certos chocolates ou bolachas sem adição de açúcar, têm, por vezes, elevados teores de gorduras saturadas. Alguns adoçantes podem afetar a glicemia, embora o impacto do açúcar seja maior.
  • Com medicação, não é preciso moderar a alimentação
    No controlo da diabetes e na prevenção de outras patologias associadas, como as doenças cardiovasculares, fazer uma alimentação equilibrada e nutritiva é tão importante como tomar a medicação e o acompanhamento médico. A dieta mediterrânica, tão tradicional em Portugal, é simples e cheia de sabor, sendo eficaz na gestão da diabetes.
  • Doces ou sobremesas estão proibidos
    Apesar de não existir uma proibição, será mais sensato reservar os doces para ocasiões especiais e, sempre que possível, optar por versões mais saudáveis e igualmente saborosas, com pouco ou nenhum açúcar adicionado. Experimente morangos em gelatina com iogurte, bowl de maçã e banana com granola, ou ainda tapioca com queijo e doce de frutos vermelhos.